"Feliz aniversário, amo você, mas tente falar mais baixo daqui pra frente", foram as palavras que escrevi do alto de minha sabedoria infante como mensagem de aniversário pra minha mãe há muitos anos atrás, quando o maior de nossos problemas era o tom que ela usava ao falar comigo, fosse ele causado por algo que eu tinha feito ou não. A verdade é que, baiana-do-sangue-quente-sem papas-na-língua-com-suspeitas-de-bipolaridade que é, a dona Marineide Miranda nunca foi exatamente de combinar o tom de voz com o sentimento do momento, de forma que não é incomum vê-la gritando aos 4 ventos com alguém com quem ela não tem nenhuma frustração no momento, ou falando da forma mais amorosa do mundo com alguém que secretamente ela deseja fatiar em vários pedacinhos.
Hoje, dia 17 de janeiro alguns anos no futuro (e horas no futuro também, porque no fuso dela, ainda é dia 16), eu encaro a tela do computador pensando em maneiras de ligar a minha homenagem à viagem para a Austrália (que é o tema do blog, afinal de contas) e aquela frasezinha ríspida e impensada no início do post é a única maneira de começar, porque analisando muito cuidadosamente, fica cada vez mais claro que o meu grande objetivo de ter vindo pra cá não é apenas aprender a falar inglês. É aprender a falar tão alto quanto ela.
Calma, calma. Não estou dizendo que vim para o outro lado do mundo pra ser páreo numa briga com a minha mãe, muito pelo contrário. Falar alto, diferente do que eu achava quando era criança, não significa só falar com raiva. Falar alto é não ter medo de se expor. É fazer na fila do supermercado ou na sala de espera do consultório o seu melhor amigo de infância, como ela muitas vezes fez e vai continuar fazendo. É usar sim um tom que contradiga o que você está sentindo, porque se existe outro sentimentos mais forte que me faz confundir os tons, por que reprimi-lo? Por que me podar, me obrigar a manter a "normalidade" e, principalmente, por que me preocupar com o que vão pensar se eu disser uma, duas, milhões de besteiras enquanto tento cumprir o meu propósito, que é o de simplesmente falar? Aposto que terão uma, duas, ou milhões de coisas certas no meio disso também. E se não, isso é o que havia pra dizer no momento. Esse sou eu, sem precisar de desculpas, e se você não gosta, paciência.

Na minha eterna preocupação com estruturas textuais, eu poderia estranhar que comecei um texto falando dela e comecei a falar de mim, mas que estranhamento isso causaria, se quanto mais a conheço, mais me convenço de que ela sou eu, eu sou ela, e vice-versa? "Você é um pedaço de mim", ela me disse repetidas vezes no decorrer dos anos. Muitas mães devem dizer isso para os filhos, e para muitas deve ser verdade, mas como esse texto é sobre a minha mãe (e consequentemente, sobre mim), digo que é mais verdade no nosso caso. Porque conforme o tom de voz deixou de ser o maior dos nossos problemas, as semelhanças entre nós dois se mostraram tão óbvias e gritantes que, em determinado ponto, não precisávamos mais nos expressar com a voz, nossos devaneios se tornaram claros um pro outro de forma quase telepática.
Voltando à minha duvidosa sabedoria infantil, diversas vezes me questionaram porque eu não chamava minha mãe efetivamente de "mãe", ou "mamãe" (e no mais extremo dos casos, "mainha", como bem conhecido de qualquer baiano por aí) e, diferente da questão sobre os tons de voz, para essa eu não tenho muito o que filosofar e dificilmente conseguirei responder. Eu era uma criança estranha. Melhor dizendo, sou uma criança estranha. E ela, como criança de outras estranhezas que também é, deve saber que as cutucadas e os constantes artifícios utilizados pra evitar a palavra "mãe" não diminuem em nada a minha consciência do que a palavra representa, e do que ela representa pra mim acima de qualquer palavra
É por isso que hoje, mamãe, escrevo dessa forma desorganizada e cheia de voltas que você já conhece, meio ríspida como aquele bilhetinho de criança, meio poética do jeito que você sempre me enxergou, para passar essas três mensagens:
Feliz aniversário!
Eu te amo!
E nunca, nunca deixe de falar alto.
Do seu filho, seu pedaço, em todos os fusos e todos os tons de voz.